Análise: a crise e as incertezas no sistema de ônibus pós-Crivella
Análise: a crise e as incertezas no sistema de ônibus pós-Crivella

Análise: a crise e as incertezas no sistema de ônibus pós-Crivella

Embora a crise atual tenha iniciado no final da primeira gestão de Eduardo Paes, a gestão do futuro ex-prefeito Crivella sucateou ao extremo o sistema de transporte municipal

Um dia após cariocas e fluminenses verem o (agora) prefeito afastado do Rio, Marcelo Crivella ser preso suspeito de liderar um esquema milionário de propinas na Prefeitura do Rio, agora a cidade vive 8 dias de incertezas, mas uma coisa a população já está ciente: foram 4 anos muito conturbados e sofríveis para a população carioca. A gestão de Crivella foi marcada por polêmicas, favorecimento do seu grupo político e religioso e vendo a deterioração de todas as obras feitas pelo antecessor (e agora sucessor).

É sabível que a crise que os transportes municipais se iniciou em 2015, no final da primeira gestão do futuro prefeito Eduardo Paes, mas foi a partir da gestão de Marcelo Crivella que os cariocas viram o sistema de ônibus piorar e muito. Se comparar a quantidade de empresas que fecharam as portas entre as duas gestões, a gestão Crivella leva a pior. Foram 10 empresas (Santa Maria, São Silvestre, Litoral Rio, Translitoral, Estrela Azul, Rubanil, América, Madureira Candelária, Premium Auto Ônibus) que fecharam entre 2017 e 2020, sendo mais recente a Transportes Estrela, em Agosto deste ano, numa combinação da crise dos transportes e da crise provocada pela pandemia da Covid-19, enquanto que na gestão Paes foram apenas 6 empresas que fecharam (Translitorânea, Rio Rotas, Andorinha, Via Rio Class, Algarve e Bangu).

Articulado da Transportes Santa Maria em 2014. O fechamento dela e de outras duas empresas (Translitoral e Algarve) tiveram impactos negativos na operação do sistema BRT, fazendo com que o sistema começasse a ir ladeira abaixo.

O fechamento de 3 das 16 empresas (Translitoral, Santa Maria e Algarve) durante estes 5 anos teve impacto direto na operação do BRT Rio, cuja reestruturação do sistema é um dos principais desafios da nova (velha) gestão e da nova secretária de transportes, Maína Celidônio. Paes e Maína terão um trabalho árduo para reconquistar a confiança do passageiro, que, diante do sucateamento do sistema, com o fechamento de estações ora com a premissa da baixa demanda provocada pela Covid-19, ora com a premissa de estações vandalizadas, vê os passageiros migrando para outros modais, como os ônibus executivos, caso haja essa alternativa, ou opções que passem longe das calhas do BRT.

Os problemas registrados no BRT são vários: Desde o problema recorrente dos calotes até a “autonomia” irregular do BRT Rio, empresa criada após a intervenção promovida em 2019 pela Secretaria Municipal de Transportes, em criar e retirar serviços sem a autorização do poder concedente. O Portal Flumibuss RJ já mostrou em Agosto o abandono do sistema BRT promovido pela atual gestão (releia aqui).

Interior de um BRT da linha 22 superlotado. Desde o início da pandemia, o problema que era recorrente, foi se agravando cada vez mais. Foto: Gabriel Petersen Gomes (Arquivo)

Outra queixa também recorrente é a superlotação dos articulados. Quando a frota do sistema estava em sua capacidade plena (413 articulados), não havia tantos registros de superlotação. Mas com o fechamento da Translitoral, Santa Maria e Algarve, além da Expresso Pégaso ter retirado seus BRT’s, deixando-os deteriorando em sua garagem, o que era um problema corriqueiro, aos poucos foi se tornando um problema crônico, e durante a pandemia se agravou mais ainda.

E nessa de ficarem brincando de “Sim City” (clássico simulador onde o jogador faz alterações que impactam no crescimento da cidade, pra bem ou pra mal), deixam o trecho do BRT TransCarioca entre o Galeão e a Penha totalmente dependente de um serviço parador (a linha 42A – Galeão x Madureira/Manaceia) e aos finais de semana deixa apenas duas linhas no corredor para atender TODAS as estações do corredor, o que torna a viagem cansativa e surreal, fazendo com que os passageiros migrem para as linhas da Linha Amarela, fazendo a integração via Bilhete Único Carioca na Saída 7, em Bonsucesso ou no Shopping Nova América.

Ônibus Neobus Mega Plus com ar condicionado da Redentor, na linha 614. A linha tem sido muito utilizada por passageiros da Zona Norte para fugir do BRT TransCarioca, cuja operação vem sendo sucateada há, pelo menos, um ano.

O prefeito eleito, Eduardo Paes, já afirmou que nos primeiros 100 dias de governo, irá retomar linhas que ele mesmo extinguiu, seja por causa do BRT, seja por causa da racionalização da Zona Sul. No que tange ao BRT, é urgente que haja linhas urbanas correndo em paralelo com o eixo troncal. E aproveitar terminais que estão abandonados. É o caso do Terminal do Recreio, anexo à estação Salvador Allende da TransOeste. Também já mostramos aqui como o terminal está abandonado e que poderia servir de ponto final para as linhas que, hoje, estão nos Terminais do Mato Alto e do Magarça, como a 853, 855, 883, 891 e 896.

A ligação entre os corredores TransOlímpica e TransOeste, abandonado no final da primeira gestão de Eduardo Paes, se tivesse aberta, poderia desafogar todo o eixo da TransOeste, remanejando as linhas que tem como destino final a Estação Salvador Allende, como as linhas 14 – Campo Grande x Salvador Allende e 19 – Pingo d’Água x Salvador Allende, e desafogando a estação, e dando utilidade à um terminal obsoleto, onde hoje apenas as linhas 41 – Madureira x Recreio e 51 – Vila Militar x Recreio fazem ponto final.

Terminal alimentador do Recreio abandonado. Por conta do abandono, de uns tempos para cá, tem virado abrigo para moradores de rua, tirando a real utilidade do espaço, que poderia estar sendo usado pelas linhas que, hoje, param nos Terminais do Mato Alto e do Magarça, em Guaratiba. Foto: Gabriel Petersen Gomes (arquivo)

Sem falar das obras do BRT TransBrasil. Iniciado em 2014, na primeira era Paes, a promessa era que o corredor ficasse pronto no início de 2017, mas houve sucessivos atrasos e demissões, que fizeram com que o prazo fosse adiado várias vezes. O prazo mais recente dado pela Prefeitura

Os problemas não se restringem ao BRT. Passageiros das linhas convencionais da cidade também enfrentam problemas desde o início da crise atual dos transportes. São linhas que foram sumindo com o fechamento das empresas, ônibus em péssimo estado de conservação e superlotação. Sem falar da novela do ar condicionado, cuja climatização total já foi adiada 3 vezes e, que agora com a pandemia, foi adiada pela 4ª vez. Ainda em relação à pandemia, passageiros passaram a conviver com mais um problema, que foi alegado como solução para reduzir a disseminação da Covid: o desligamento dos aparelhos de ar condicionado, daqueles que têm condição para tal, para que possa entrar um ar natural.

Porém, segundo um comunicado da Marcopolo divulgado pela Coesa Transportes, de São Gonçalo, logo no início da pandemia (Março), informa que “o ar condicionado não tem a capacidade de carregar gotículas de passageiros e distribuí-las contaminando o ambiente”.

Comunicado da Marcopolo divulgado pela Coesa Transportes no início da pandemia. Foto: Reprodução / site – Coesa Transportes

Com o início do verão nesta semana, o temor é que as viagens que já estão piores por conta da redução da frota, fiquem piores ainda, já que com as altas temperaturas, os ônibus com ar condicionado desligado podem transformar o interior deles em uma verdadeira sauna.

Interior lotado de um CAIO Apache Vip IV da Real Auto Ônibus. Com os aparelhos de ar condicionado desligado no verão, a tendência é de viagens mais cansativas do que o normal e uma piora na qualidade de vida, já que o passageiro tende à ficar mais irritado. Foto: Gabriel Petersen Gomes

Em resumo: fazendo um paralelo utilizando a frase dita na campanha de Paes, pro sistema de transporte do Rio fazer voltar à dar certo, a nova gestão da Prefeitura precisará atuar em algumas frentes:

  • Abandonar a mentalidade da gestão inspirada nos anos 1960;
  • Promover a real integração entre todos os modais existentes na cidade, quiçá implementando uma tarifa única entre ônibus, VLT, trens e metrô;
  • Reestruturar o sistema de BRT, restabelecendo linhas que foram suprimidas para que estas corram em paralelo com o eixo troncal, auxiliando na minimização da superlotação dos articulados, inclusive com a opção de migrá-los para as calhas do BRT, onde o ônibus sairia do bairro e seguiria pela calha, sem precisar que o passageiro tenha que descer em terminais sem o mínimo de infraestrutura, como acontece nos Terminais do Mato Alto e Magarça
  • Promover uma reestruturação total das linhas convencionais da cidade, se precisar, convocando uma nova licitação, com empresas novas, para que não se configure cartel, o que ficou evidente na licitação de 2010
  • Reativar itinerários que foram extintos e que ainda possuem alguma utilidade
  • Incentivar o transporte público, em detrimento ao individual. Seja reduzindo os preços de tabela do transporte executivo, seja dando fim ao processo de climatização total da frota.

Agora, é esperar os próximos capítulos da próxima gestão do novo (velho) prefeito.

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